Sobre Abelhas e Classes
Este texto foi originalmente publicado em meu blog anterior "economiaSG", no dia 3 de Dezembro de 2016. Alguns textos desta primeira experiência com blogs foram republicados aqui e podem ser encontrados na categoria "economiaSG"
Tenho tido um interesse na criação de abelhas. Na verdade, faz tempo que tenho este interesse, em particular nas abelhas nativas sem ferrão. Sempre fui um biólogo frustrado, então estes interesses excêntricos fazem parte do meu dia a dia. Desde criança me perguntava a respeito da organização de classes dentro das abelhas (e das formigas também) e como elas são definidas. Em parte por que sempre imaginava que, enquanto seres vivos, deveríamos reproduzir tipos semelhantes de organização social. Obviamente, isto denota algum tipo de naturalismo em minha forma de pensar. Não tenho como negar que este naturalismo esteja na minha cabeça, mas com a consciência dele, ainda acho que a analogia com as abelhas faz sentido. Embora, não mais como a busca de um modelo ideal.
Explico melhor…
Caso ainda não tenha percebido a analogia que quero fazer é com a proposta de visualizar a sociedade em classes, tal como Marx, Keynes e até alguns filósofos mais antigos. Antes de entrar neste detalhe quero contar a origem da analogia. Outro dia assistia o globo Rural (sim, eu assisto) que respondia a uma carta ao leitor sobre como “produzir” uma nova abelha rainha. No caso, eram as abelhas tradicionais para produção de mel comercial. A solução proposta ao telespectador seria retirar/derrubar a rainha vigente, em uma espécie de Game of Thrones de pequena escala. Uma vez retirada a rainha, as operárias, ao notar a sua falta, passariam a produzir uma própolis real que é uma versão específica de própolis necessária para produzir uma nova rainha. Inclusive a sugestão do programa é para substituir a rainha sempre que a sua “produtividade” esteja caindo e assim otimizar a produção de mel.
Pois bem, outra indicação dada pelo especialista do programa é que se descarte as primeiras larvas, pois estas teriam sido ovos de operárias que foram “bombadas” com própolis real na ânsia de produzir uma nova rainha. Assim, estas rainhas emergenciais, não seriam assim tão reais. Por fim, seria produzida uma rainha que foi tratada a própolis real desde o seu princípio.
Dito isso, é necessário rever o mundo com olhos de criança. Sempre achava muito sem sentido como as operárias aceitavam ser operárias, assim como os zangões e a rainha. Como era criança, as explicações que me eram dadas nunca faziam sentido: “por que cada um tem a sua função”; ou “para o bem da colmeia”. Afinal, quem determinava quem seria operária, zangão ou rainha? No caso das abelhas – aparentemente – é o instinto mesmo.
Outra pergunta é por que as operárias permanecem operárias? Mesmo se imaginarmos que as abelhas possuíssem consciência. Será que as operárias, criadas desde o ovo a base do mel básico, perceberiam que são operárias?
Sim, é isto que estou insinuando. Uma ideia tão marxista que me assusto de estar escrevendo a respeito. Caso você tenha ou pensa em ter filhos, o que quer para eles? Como conseguiria o melhor para o seu filho? Uma boa resposta – imaginando – seria dar educação e de qualidade, além de permitir que ele tenha as melhores experiências. Agora, quem tem condições de por o filho em uma escola particular. Não há nada de errado com isto. A ideia é sempre proporcionar as melhores experiências de formação para que isso faça diferença quando ele for adulto. A intuição não foge ao que alguns estudos já apontam como uma realidade empírica, Garces, Thomas e Currie (2000) e Carneiro e Heckman (2003), confirmam esta expectativa de que, de fato, há efeitos positivos nas crianças que foram “melhor” estimuladas no início de sua vida.
E quem não tem condições de por o filho numa escola particular, ou de proporcionar as melhores experiências para ele, como fica?
Entendeu onde quero chegar?
Veja bem, não quero atacar as desigualdades de forma simplista e concluir que tudo deva ser regulado, ao ponto de chegar a uma conclusão inconveniente, de que tudo tem que ser dado e nada conquistado. Mas quero apontar o incômodo que causa em mim, a elevada valorização do mérito próprio (meritocracia). Inclusive já comentei algo parecido em outro texto honey-bee-1370423-1280x960(veja aqui). Afinal, como pode ser considerado mérito próprio se a largada foi queimada? Como pode, se alguns poucos são criados a própolis real, enquanto a grande parte recebe apenas o mel básico (para dar desfecho a analogia). A triste conclusão é que os filhos de operários são criados para serem operários e, como as abelhas, não percebem. Sucumbindo ao discurso do mérito próprio. Esta percepção não é nova, nem é minha, mas definitivamente é realidade.
A motivação para este texto foi simplesmente a analogia com as abelhas. A discussão sobre desigualdade não é nova e pouco adicionei a ela. Obviamente, induzi a discussão com minhas percepções, mas caso tenha algo a contribuir (questionar, contrariar, complementar) sinta-se a vontade para deixar nos comentários.