Pois bem, a ideia aqui é apresentar correlações que são identificadas em gráficos. Faço isso como um exercício. Então é importante que se diga que todas as considerações feitas aqui são “achismos”. Por isso que o título é “Correlação não é Causalidade”.
Também preciso destacar que violência não é minha área de interesse. Tem bastante gente que discute o tema, em especial no Brasil. Eu, particularmente, não tenho domínio sobre a literatura e o pouco que sei é de apresentações de congressos, reportagens de jornais e conversas. Então, mais uma vez, correlações não são causalidades, nem meus comentários são conclusões. É tudo palpite e achismo.
Vamos começar com os pacotes que serão utilizados:
library(ggplot2)
library(tidyverse)
Em seguida é importar a base de dados. Essa base fui que construi, com base nos dados do Atlas da Violência, do IpeaData e do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. A explicação de como ela foi construída e os comandos utilizados estão no post anterior.
Por aqui só será feita a sua leitura e análise.
HOM <- read.csv2("https://raw.githubusercontent.com/RodrigoAnderle/Artigos-Reproduz-veis/master/Homic%C3%ADdios1996-2016.csv")
Total de Homicídios no tempo e eventos
Quando busquei os dados tentava ver algumas correlações a nível municípal, mas não consegui avançar muito. Assim, preferi parar a “análise” nos dados agregados e deixar essa “análise” municipal para uma próxima tentativa.
O primeiro gráfico tem o número de homicídios no Brasil por ano. Ainda na concepção do gráfico, pensei em contextualizar os períodos, inserindo “eventos” que imaginava poder ter afetado o número de homicídios. Entre esses eventos destaquei o Estatuto do Desarmamento em 2003, a Crise Financeira em 2007-2009, as Manifestações de 2013 e o Impeachment em 2015.
O estatuto do desarmamento e a crise financeira me parecem eventos bastante importantes quando se pensa em homicídios. Já as manifestações de 2013 e o Impeachment de 2015, não deveriam ter muita relação. Entretanto, veja o gráfico a seguir.
HOM %>%
group_by(Ano) %>%
summarise(Homicídios = sum(Homicídios, na.rm = T)) %>%
ggplot() +
geom_line(aes(x = Ano, y = Homicídios), size = 2) +
geom_vline(aes(xintercept = 2003,
colour = "Estatuto do Desarmamento")) +
geom_vline( aes(xintercept = 2007,
colour = "Crise Financeira")) +
geom_vline( aes(xintercept = 2013,
colour = "Manifestações")) +
geom_vline( aes(xintercept = 2015,
colour = "Impeachment")) +
scale_colour_discrete(name = "") +
theme_bw() +
theme(legend.position = "bottom") +
labs(title = "Total de Homicídios no Brasil de 1996-2016",
caption = "Nota: Eventos destacados foram escolhidos arbitrariamente.")
Note que os eventos parecem ser bastante elucidativos. Depois de 2003 há uma queda no número de homicídios que passa a ter uma tendência “lateral”. A partir do estouro da crise financeira, em 2007, passa a haver uma tendência de crescimento. Apesar disso, é importante ter em mente que a crise financeira demorou a chegar no Brasil. Além disso, a curva parece ganhar velocidade a partir de 2011, começo da administração da Dilma.
Agora, olhar os dados de homicídios agregados contribuem pouco para uma análise. Isso por que a população também cresceu ao longo do tempo. Assim, o mais adequado é trabalhar com a taxa de homicídio.
Taxa de Homicídio no tempo e eventos
A taxa de homicídio é calculada de forma a representar a quantidade de homicídios a cada 100 mil habitantes. Basta dividir os homicídios pela população e multiplicar por 100 mil.
Veja como fica o gráfico agora:
HOM %>%
group_by(Ano) %>%
summarise(Taxa =
(sum(Homicídios, na.rm = T)/
sum(População, na.rm = T))*100000) %>%
ggplot() +
geom_line(aes(x = Ano, y = Taxa), size = 2) +
geom_vline(aes(xintercept = 2003,
colour = "Estatuto do Desarmamento")) +
geom_vline( aes(xintercept = 2007,
colour = "Crise Financeira")) +
geom_vline( aes(xintercept = 2013,
colour = "Manifestações Passe Livre")) +
geom_vline( aes(xintercept = 2015,
colour = "Impeachment")) +
scale_colour_discrete(name = "") +
theme_bw() +
theme(legend.position = "bottom") +
coord_cartesian(xlim = c(1999,2016)) +
labs(title = "Taxa de Homicídios no Brasil (a cada 100mil hab) de 1999-2015",
caption = "Nota: Eventos destacados foram escolhidos arbitrariamente.")
O gráfico mantém as características encontradas no primeiro, mas note que a taxa de homicídio só supera a de 2003 em 2011. De certa forma, parece que o estatuto do desarmamento teve impacto de fato.
Agora, o Brasil é um país grande com diferentes composições de cidades, estados e regiões. Assim, vamos desagregar um pouco estes dados.
Taxa de Homicídio nas diferentes regiões
Um gráfico com todos os estados juntos fica uma confusão de linhas. Então vamos aos poucos. Inicialmente gerei um gráfico por regiões, para ver como foi a dinâmica nas diferentes regiões do país.
HOM %>%
group_by(Ano, Região) %>%
summarise(Taxa = (sum(Homicídios, na.rm = T)/
sum(População, na.rm = T))*100000) %>%
ggplot() + geom_line( aes(x = Ano, y = Taxa, colour = Região), size = 1.5) +
coord_cartesian(xlim = c(1999,2016)) +
geom_vline(aes(xintercept = 2003)) +
geom_vline( aes(xintercept = 2007)) +
geom_vline( aes(xintercept = 2013)) +
geom_vline( aes(xintercept = 2015)) +
theme_bw() +
labs(title = "Taxa de Homicídios(100mil hab) no Brasil por região de 1999-2016")
No gráfico por região dá para perceber que, praticamente, a única região que tem queda na taxa de homicídios é a região Sudeste. Então fica a pergunta, por que o gráfico agregado tinha aquele formato?
Bom, um palpite considerável é que o maior contigente populacional do país está na região Sudeste. Além disso, se bem me lembro, a demanda do estatuto do desarmamento foi encabeçada por essa região.
Outra correlação que pode ser percebida é que na mesma medida que cai a taxa de homicídios na região Sudeste, ela aumenta nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte. Pensando a respeito, já ouvi falar sobre uma migração da violência da região Sudeste para as demais. Isso parece fazer sentido, pois quando olhamos a região Sul, ela tem sua dinâmica particular. Digo isso, pois, se não me engano, esse tranbordamento de que ouvi falar foi na direção das outras regiões.
Outra possível explicação foi levantada enquanto conversava com minha companheira. Ela lembrou que a transferência de líderes de organizações criminosas para os presídios destas regiões também já havia sido levantado com ohipótese por alguém.
A seguir vamos olhar os estados por região.
Norte
Aquilo que falei da confusão de linhas pode ser observada a seguir. Note que apenas no começo do gráfico existem dinâmicas distintas, em dois grupos. Dos com taxa superior a 30, Amapá, Rondônia e Roraima. E do restante dos estados com menos de 20. Depois há uma espécie de convergência com todo mundo ficando meio parecido. Com destaque para Amapa e Pará que tem aumento considerável no último trecho.
Em particular, nenhum dos eventos parece ter tido muita correlação com as tendências apresentadas.
HOM %>%
filter(Região == "NORTE") %>%
group_by(Ano, UF) %>%
summarise(Taxa = (sum(Homicídios, na.rm = T)/
sum(População, na.rm = T))*100000) %>%
ggplot() + geom_line( aes(x = Ano, y = Taxa, colour = UF), size = 1.5) +
coord_cartesian(xlim = c(1999,2015)) +
geom_vline(aes(xintercept = 2003)) +
geom_vline( aes(xintercept = 2007)) +
geom_vline( aes(xintercept = 2013)) +
theme_bw()+
labs(title = "Taxa de Homicídio por estado da região Norte de 1999-2016")
Nordeste
O gráfico para a região Nordeste é outro com uma confusão de linhas. Com nove estados é difícil olhar todos juntos e até mesmo perceber as mudanças. Alagoas e Sergipe são conhecidos pela sua violência, mas note que no começo do período o estado mais violento era Pernambuco. O único que teve queda nas taxas ao longo do período. Já o Piauí se manteve com as menores taxas ao longo de todo o período.
HOM %>%
filter(Região == "NORDESTE") %>%
group_by(Ano, UF) %>%
summarise(Taxa = (sum(Homicídios, na.rm = T)/
sum(População, na.rm = T))*100000) %>%
ggplot() + geom_line( aes(x = Ano, y = Taxa, colour = UF),
size = 1.5) +
coord_cartesian(xlim = c(1999,2015)) +
geom_vline(aes(xintercept = 2003)) +
geom_vline( aes(xintercept = 2007)) +
geom_vline( aes(xintercept = 2013)) +
theme_bw()+
labs(title = "Taxa de Homicídio por estado da região Nordeste de 1999-2016")
Centro-Oeste
A região dos grandes latifundios também parece ter pouca correlação com os grandes eventos destacados no começo deste post. O estado de Goiás rasga o gráfico em uma diagonal crescente, enquanto que o Distrito Federal e o Mato Grosso do Sul apresentam uma queda no período. Já no Mato Grosso houve um aumento da taxa no final do período.
Desconfio que tenha relação com os conflitos no campo. Palpite que estenderia para Goiás, Amapa e Pará. Embora Goiás também possa sofrer algum contágio da diminuição da violência no Mato Grosso do Sul e no Distrito Federal.
HOM %>%
filter(Região == "CENTRO-OESTE") %>%
group_by(Ano, UF) %>%
summarise(Taxa = (sum(Homicídios, na.rm = T)/
sum(População, na.rm = T))*100000) %>%
ggplot() + geom_line( aes(x = Ano, y = Taxa, colour = UF), size = 1.5) +
coord_cartesian(xlim = c(1999,2015)) +
geom_vline(aes(xintercept = 2003)) +
geom_vline( aes(xintercept = 2007)) +
geom_vline( aes(xintercept = 2013)) +
theme_bw()+
labs(title = "Taxa de Homicídio por estado da região Centro-Oeste de 1999-2016")
Sudeste
Chegando a região Sudeste, foi ela a principal causadora da queda da taxa de homicídios no país. Desagregando por estados, nota-se que as taxas só não caíram em Minas Gerais. Mais uma vez , há motivos para imaginar que há um efeito de “transbordamento” da violência.
Por outro lado, o único evento que parece ter tido alguma correlação foi o estatuto do desarmamento em 2003. Apesar disso, em São Paulo, já havia uma tendência de queda, enquanto Minas tinha uma de alta. A partir de 2007 “as coisas” ficam meio de lado. Só no Espírito Santo houve um salto, a partir de 2005, mas que se transforma em uma tendência de queda, a partir de 2009.
HOM %>%
filter(Região == "SUDESTE") %>%
group_by(Ano, UF) %>%
summarise(Taxa = (sum(Homicídios, na.rm = T)/
sum(População, na.rm = T))*100000) %>%
ggplot() + geom_line( aes(x = Ano, y = Taxa, colour = UF), size = 1.5) +
coord_cartesian(xlim = c(1999,2015)) +
geom_vline(aes(xintercept = 2003)) +
geom_vline( aes(xintercept = 2007)) +
geom_vline( aes(xintercept = 2013)) +
theme_bw()+
labs(title = "Taxa de Homicídio por estado da região Sudeste de 1999-2016")
Sul
A região Sul é um tanto alienada aos movimetnos do resto do país. Note que apenas o Paraná teve um crescimento considerável, ainda antes de 2003. Mais uma vez pode ser um efeito “transbordamento”, pois o Paraná é vizinho de São Paulo, estado que teve a maior queda nas taxas de homicídios.
Olhando mais para o final do gráfico, nota-se uma queda abrupta do Paraná, aproximadamente em 2012. Ao mesmo tempo que há um crescimento no Rio Grande do Sul. Apesar disso o movimento do Rio Grande do Sul deve ter relação com a sua própria dinâmica, uma vez que o estado entrou em crise financeira.
HOM %>%
filter(Região == "SUL") %>%
group_by(Ano, UF) %>%
summarise(Taxa = (sum(Homicídios, na.rm = T)/
sum(População, na.rm = T))*100000) %>%
ggplot() + geom_line( aes(x = Ano, y = Taxa, colour = UF), size = 1.5) +
coord_cartesian(xlim = c(1999,2015)) +
geom_vline(aes(xintercept = 2003)) +
geom_vline( aes(xintercept = 2007)) +
geom_vline( aes(xintercept = 2013)) +
theme_bw() +
labs(title = "Taxa de Homicídio por estado da região Sul de 1999-2016")
Considerações
Mais uma vez é importante ressaltar que esse exercício pretendia praticar a análise de dados com o R. Todas as considerações feitas e sugeridas como causalidade são hipóteses sem consitência teórica. O que quero dizer com isso é que são “papo de boteco”.
O meu limitado entedimento sobre o tema me leva a pensar que violência, medida na quantidade de homicídios, é um fenômeno complexo que tem diferentes formas e funções em diferentes localidades. De fato, acredito que eventos macro, como o estatuto do desarmamento e o transbordamento da violência de um estado para o outro tenham impacto. Ainda assim, acredito que existam dinâmicas micro, regionais, que tenham sua parcela de contribuição.
Enquanto economista, não posso deixar de salientar que motivações econômicas e sociais devem estar intrinsicamente ligadas aos fenômenos sociais como a violência. Em um trabalho que consultei rapidamente do Small Arms Survey, é dado destaque para a importância da urbanização no aumento da violência. Inclusive em um estudo que li recentemente, Bettencour (2007) destacava, entre outros fenômenos de escala urbana, o aumento da violência urbana.